Já está
definido o tema do próximo Observatório.
Na terça-feira,
a jornalista Míriam Leitão vai contar a Alberto Dines os bastidores do trabalho
realizado com o jornalista Cláudio Renato sobre os desaparecidos políticos, o
caso Rubens Paiva e a Comissão da Verdade, bem como as razões que a levaram a
se envolver com esta pauta.
Confira aqui a
reportagem completa e abaixo um texto escrito pela jornalista sobre o assunto,
publicado no último dia 3.
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comentar e participar do debate!
Fratura do tempo (Miriam Leitão)
Tudo é bom no jornalismo: coluna, comentário, entrevista, furo, crônica, cobertura continuada, desenhar uma página, ver o trabalho minucioso de uma ilha de edição, correr contra o tempo no fechamento. Mas a reportagem é um momento supremo. Mergulhar numa história e ir unindo as pontas, fechando um quebra-cabeças, ouvindo as partes, é um exercício de paciência e emoção. Quando dá certo, você até sonha. Sonhei.
A ideia que Cláudio Renato e eu tivemos na Globonews há mais de dois meses era a de falar do trabalho da Comissão da Verdade e tentar mostrar como desapareciam os desaparecidos, que mundo era aquele que ainda nos assombra. O resultado do trabalho foi ao ar na quinta-feira e ontem — ainda repete às 0h30m e às 19h05m deste domingo — e foi publicado neste jornal.
O título Uma História Inacabada foi escolhido pela editora Cristina Aragão. Ele reflete com exatidão e delicadeza o drama do país e das famílias que não enterraram seus mortos, não realizaram seu luto.
Difícil reconstruir os fatos de cada um
dos 183 desaparecidos políticos, mas eles sumiam assim pra nunca mais ao entrar numa guarnição militar,
ou até em braços clandestinos do Estado, como foi a tenebrosa Casa da Morte de
Petrópolis. Escolher Rubens Paiva é fácil. Ele foi definido por Ulysses
Guimarães na promulgação da Constituição como a encarnação da sociedade. Descobrir
o que os militares da Polícia do Exército da Barão de Mesquita fizeram em 1971
com o seu corpo é um segredo que ainda pertence aos assassinos.
Escolhemos então seguir seus passos
finais, trazer o personagem à vida fazendo seu perfil na conversa com pessoas
que o conheceram, em fotos e imagens públicas e das famílias, em documentos
como o valioso relato escrito pela professora do Colégio Sion Cecília Viveiros
de Castro. Fizemos uma longa entrevista com o Procurador da Justiça Militar
Otávio Bravo, que está reabrindo os processos de 39 pessoas que sumiram no Rio
e no Espírito Santo.
Fomos a Brasília duas vezes entrevistar
autoridades sobre a Comissão da Verdade, que ainda não está funcionando.
Tentamos falar com os comandantes militares. O Ministério da Defesa indicou
José Genoino. A linguagem corporal dos chefes das três Forças, na sanção da lei
que criou a Comissão já dizia tudo: eles detestam tudo isso. Integrantes dos
clubes militares, dos oficiais da reserva, deram respostas vagas aos nossos
pedidos, o coronel Brilhante Ulstra, que chefiou o DOI-Codi de São Paulo, segue
orientação do seu advogado para não falar. O general Rocha Paiva disse com
clareza o que pensa. Ele é contra a Comissão, contra reabrir essa discussão,
acha que há um risco enorme de que a procura de informações termine na
execração pública e punição de seus companheiros. Afirmou que assim pensam os
militares da ativa. Na saída, na porta do seu apartamento em Brasília, o
general me explicou o que o move:
— Não fui da comunidade de informações,
mas poderia ter sido. O acaso me levou para outra área. Não vou deixar
companheiros meus em risco, agora que a situação mudou.
O Brasil pode até decidir não olhar para
trás, mas não pode mais permitir que seja resultado do veto das Forças Armadas.
Ele e os atuais comandantes militares estavam no início das suas carreiras
quando a comunidade de informações montou aparelhos de tortura, morte e
ocultação de cadáver dentro de instituições que hoje prestam valiosos serviços
à pátria. O general Rocha Paiva rechaçou a minha afirmação de que é um outro
Exército: “É o mesmo.”
Pelo acaso desse tempo de jornalismo
multimídia, eu fiz, recentemente, uma reportagem publicada neste jornal sobre
empreendedorismo nas favelas. Para tornar possível o momento que começa a ser
luminoso no Rio, forças policiais e os militares se uniram contra traficantes.
Naquele tempo obscuro se uniram numa coalizão macabra. Por coincidência, num
mesmo dia eu trabalhei de manhã na matéria dos desaparecidos, fui à tarde para
a Rocinha conversar com empreendedores para a outra reportagem e terminei o dia
fazendo coluna sobre crise do endividamento da Europa. Visitei dois tempos do
Brasil e a lembrança de crises econômicas que já superamos.
Cláudio Renato e eu desembarcamos num
sábado de manhã em São Paulo e passamos o dia no antigo Deops — Departamento
Estadual de Ordem Política e Social — um lindo prédio onde tragédias ocorreram
e agora famílias passeiam no fim de semana vendo exposição do memorial da
resistência. Lá, entrevistamos os três filhos de Rubens Paiva.
A equipe tinha imaginado gravar numa
antiga cela. Marcelo foi logo detonando a ideia, com jeito brincalhão:
— Horrível. Numa cela? Não! Vamos
procurar um lugar bonito, leve.
Rimos do nosso erro. Era de fato uma
péssima ideia pôr os filhos de Rubens Paiva numa cela. Onde a gente estava com
a cabeça?
Na procura dos fios da meada lemos
livros, material de jornal, vimos documentários. Jason Tércio no livro “Segredo
de Estado” recria a história, com partes de ficção. No livro “K.”, Bernardo
Kucinski fala do pai que procura a filha, professora da USP, e jamais a
encontra. Numa frase, ele resume o que as famílias buscam, entre elas, a do
autor: “Para que a sua memória na nossa memória descanse.”